Borboletas e pipas
Um pastor abençoado com a sabedoria do Senhor disse uma vez que nós estamos todos errados. Quanto mais analisamos nossos raciocínios, nossa lógica, nossos pensamentos impulsivos, mais percebemos que somos um produto da cultura na qual estamos emersos.
Consequentemente, devemos sempre suspeitar de nós mesmos, especialmente quando se trata de conclusões que tiramos mediante pressuposições não questionadas e não escrutinadas.
Com isso em mente, fui reler Salmo 19... E umas das coisas que me saltou aos olhos e até me provocou certo desconforto foi: A LEI DO SENHOR.
No que você pensa quando lê isso?
Leia de novo, e pare, e pense um pouco mais: a lei do Senhor.
Pegue esse pensamento cautelosamente, como se fosse uma borboleta presa no seu crânio. Na verdade, não é uma borboleta livre, leve e solta. É uma pipa, um papagaio. Siga a linha, vá puxando cuidadosamente, e descubra o que está empinando essa pipa.
A primeiríssima suposta borboleta que surge na minha mente são os dez mandamentos, as tábuas de pedra. Uma lista de ordens, de comandos e de “não pode”s.
Lembro-me então das centenas de outras leis que foram prescritas aos hebreus no Velho Testamento, das leis que provocaram tamanha cautela nos israelitas a ponto dos mesmos enviarem o sacerdote para dentro do Santo dos Santos com um sininho e uma corda amarrada ao tornozelo, caso ele desagradasse ao Senhor e Sua ira divina o matasse no local. Lembro-me das leis que exigem a morte de infratores, apedrejamento, sangue...
E a primeira reação que tenho é: Que pensamento desagradável, não convidativo! Certamente não é uma mensagem sobre a qual muitos pastores pregariam nas suas igrejas, com medo de espantar os membros. Afinal, ninguém quer ouvir sobre um Deus rijo e castigador. Queremos ouvir que somos aceitos exatamente como somos e que não precisamos mudar nada para seguir a Jesus (Vou logo avisando que isso é uma contradição em si. É só ler Marcos 10.17-22, Romanos 12.1-2 e, basicamente, a Bíblia inteira.). Queremos ser aceitos com nossos erros e nossas falhas, queremos nos ver livre da culpa e da vergonha que nos pesa, queremos que Deus passe a mão na nossa cabeça e nos diga: “Ow, meu filho, você não é tão ruim assim. Eu te amo do jeitinho que você é, não se preocupe.”
Meus pensamentos logo me levam à sensação de vergonha que tenho ao falar sobre a lei do Senhor a descrentes. O que será que eles pensam a respeito disso? É a última coisa que gostaria de estar falando para eles... Afinal, Deus é amor... Por que não falo sobre o amor de Deus? Por que não posso transmitir a mensagem repetida de “O toque de um anjo” cuja mensagem mais divina é que Deus te ama. Quando me questionam a respeito dos mandamentos “injustos”, “medievais” e “sanguinários”, tento esquivar-me do assunto, tento focar no resumo das leis, que é amar a Deus acima de tudo e amar ao próximo como a si mesmo. E como eles nunca compreenderiam o que significa amar a Deus e, na certa, zombariam de mim, às vezes até deixo essa partezinha de lado. Fico com o “amarás ao seu próximo como a si mesmo”. Algumas pessoas levariam até ao próximo passo, dizendo que, de acordo com o versículo, para amar ao seu próximo, você precisa primeiro amar a si mesmo (Outro equívoco enorme. Você já se ama demais, apesar das suas constantes desculpas sobre sua baixa auto-estima. Ele quer é que você deixe de ser tão egoísta e compartilhe o teu amor.).
É isso que de fato está empinando a pipa desse desconforto. Percebi, afinal, que meu entendimento da Lei do Senhor é algo muito amoldado à cultura. Mesmo que talvez esses pensamentos não fiquem na superfície de cada atitude ou ação, é o que está por debaixo. E isso sempre refletirá de alguma forma no meu relacionamento com Deus.
O que a Bíblia diz
Mas o salmista revela algo maravilhoso, lindo, absurdamente surpreendente sobre a Lei do Senhor. Se você reconheceu algumas das “borboletas” que citei acima, sugiro que leia Salmo 19 com os olhos de uma águia. Vou até colocar um link aqui para você não dizer que vai ler depois e esquecer: http://www.bibliaonline.com.br/acf/19/19.
Vamos por partes para entender a ideia completa do salmo. Não me faço de seminarista nem letrada em teologia, mas a Palavra de Deus foi escrita especialmente aos bobos e iletrados do mundo, então essa será meu humilde estudo do texto.
O salmo fala sobre as revelações de Deus. Para traduzir o evangeliquês, revelações seriam aquilo que pertence a Deus, como a Sua infinita sabedoria, Sua perfeita criatividade, Seu completo amor, etc., que Ele revela a nós. E o salmista começa a falar sobre uma das Suas revelações: a natureza.
A revelação na natureza
Os versículos 1-4 detalham o que exatamente a natureza nos diz sobre Deus: Ela proclama enfaticamente a glória Dele (v. 1), as obras das Suas mãos (v. 1) e a Sua sabedoria (v. 2). Como uma apaixonada pela arte, reconheço que todas as obras de arte possuem traços do caráter e da personalidade do artista, uma assinatura implícita, que podem ser reconhecidos e atribuídos ao autor. E eu, como bióloga, admiro imensamente a complexidade e inteligência e a criatividade que encontro na natureza, desde as micro-máquinas incríveis dentro das nossas células até cada pôr-do-sol. Portanto, vejo isso como revelação de Deus: Ele é um ser infinitamente complexo, inteligente, criativo e, com certeza, tem um conceito incrível de beleza. Isso tudo aponta para Sua glória e Sua sabedoria. Só esses versículos me fazem pausar um pouco e respirar fundo. É só procurar no Google: Há muitas fotos online que demonstram cenas incríveis da natureza. Além disso, o fato de que cada dia a ciência descobre coisas novas na botânica, fisiologia humana, bioquímica, astronomia, etc., apontam para uma quantidade imensa de informação contida no nosso universo. Imagine o quanto o homem já descobriu sobre o mundo em que vive. Agora, imagine o quanto ainda existe para ser descoberto... Para um artista produzir algo com tamanha complexidade, o que isso diz a respeito do artista em si? E digo mais: O universo é finito, mas Deus não é. Tudo isso vem de Deus. Ele tem um conhecimento infinito. Nós não temos como compreender o conceito do infinito, pois somos criaturas finitas num universo finito. Mas Deus está só nos dando um gostinho da Sua glória na natureza.
Os versos 4-6 apontam novamente para a grandeza e o poder de Deus. O salmista descreve o sol belissimamente, mas a ênfase está no fato de que é Deus que acolhe o sol no final da sua jornada. Para quem não tem noção do tamanho do sol, eis alguns dados rápidos:
- Caberiam umas 1.300.000 Terras dentro do sol;
- O sol em si contém mais de 98% da massa do nosso sistema solar;
- O sol possui 1.392.000 km de diâmetro.
- O tamanho da sua superfície equivale a 12.000 vezes mais do que a superfície da Terra.
Abismados? Ainda não? Pois tentem absorver a imensidão do universo assistindo o seguinte:
Há muitos outros vídeos e artigos que podem ser vistos. O universo nos deixa de boca aberta, pasmos... No entanto, a Bíblia diz que Deus “conta o número das estrelas, chama-as a todas pelos seus nomes”.
A Lei do Senhor
Mas, de repente e à primeira vista, o salmista parece que muda de assunto a partir do verso 7. Eu fiquei um pouco perplexa com a transição. No começo, não entendi bem. Mas há uma conexão. Lembro-me de que o salmista está falando das revelações de Deus. Ele nos mostrou primeiramente a revelação dada por Deus na natureza. E agora, de repente, ele nos mostra outra revelação dada por Deus: a Sua Lei. E Davi começa dizendo que a Lei do Senhor é perfeita. Agora é para pasmar mesmo. Depois de dar uma visualização das maravilhas da revelação de Deus na natureza, o salmista coloca a Lei do Senhor num nível acima de tudo isso. A Lei do Senhor é perfeita.
Tudo aquilo que eu tinha como pressuposto a respeito da Lei do Senhor cai por terra nos seguintes versículos. Ela não é algo escabroso, sanguinário, injusto, medieval e impiedoso. Ela é perfeita. E a perfeição da Lei do Senhor não é algo distante, inaplicável, como uma joia raríssima conservada numa caixa de vidro, fria, sem vida, sem valor algum além do seu encanto visual. De acordo com Davi (vv. 7-11), a Lei do Senhor é fiel, reta, pura, verdadeira, justa, mais desejável do que ouro, mais doce do que o mel... Refrigera a alma, dá sabedoria aos símplices, alegra o coração e ilumina os olhos, admoesta os servos do Senhor e garante grande recompensa aos que a guardam.
Como eu poderia me envergonhar da Lei do Senhor? Como eu me atrevo a dar um passo para trás quando se trata dela? Ela é algo que deveria me maravilhar, pois é revelação de Deus mais formosa do que a própria natureza com a qual me encanto.
O temor do Senhor
Há um conceito importante no meio de tudo isso. Lemos na primeira parte do verso 9 sobre temor do Senhor.
Mas como o temor do Senhor se encaixa nas revelações de Deus? Davi diz que o temor do Senhor é limpo e permanece para sempre. Salomão diz que o temor do Senhor é o princípio da sabedoria, dá longevidade. Por meio do temor do Senhor, o mal é evitado, a humildade é alcançada e tesouros são encontrados.
Para temer ao Senhor é necessário conhecê-Lo. E para conhecê-Lo, precisamos que Ele se revele a nós. A Lei do Senhor é a Sua revelação perfeita para nós, cujo clímax se encontra na vida, nos ensinamentos e na morte de Jesus Cristo.
Olhando para dentro de si
Mas o salmo não se finda com a revelação da Lei do Senhor. Ao vermos tamanha beleza das revelações de Deus, da perfeição, da aplicabilidade, dos tesouros mil que aguardam àquele que segue nos seus caminhos... Ao vermos tudo isso, olhamos para nós mesmos. O salmista olha para si mesmo e a primeira coisa que faz é admitir que nada sabe. “Quem pode entender os seus erros?”
Dá-me uma sensação de pequenez. Diante de tudo que ele falou sobre a Lei do Senhor fazendo isso e aquilo por aquele que a segue... Como podemos reconhecer onde erramos? Afinal, nosso coração é enganoso.
De fato – voltando para o primeiro parágrafo – todos nós temos erros ocultos, atitudes e pressupostos suspeitos que não questionamos. Todo dia, se prestarmos bem atenção, perceberemos que há muito mais por debaixo das trivialidades do que imaginamos. É lá onde reside o mal, debaixo do pano. Há passagens bíblicas que dão imagens vívidas disso. O salmista, por exemplo, fala sobre “quem gera a maldade, concebe sofrimento e dá à luz a desilusão” (Sl 7.14). Em inglês, fica mais explícito ainda: “He who is pregnant with evil” (aquele que está grávido com pecado). O pecado não é simplesmente algo que fazemos. Nós não só pecamos. Nós somos pecadores... O mal está entrelaçado na fábrica do nosso ser.
Portanto, precisamos admitir: “Quem pode entender os seus erros?” E então, pedimos a Deus: “Expurga-me tu dos que me são ocultos.” Em outras palavras: “Senhor, eu erro tanto que erro até sem perceber. Talvez haja erros que nunca reconhecerei em mim mesmo nessa vida terrena. Mas, pela Tua misericórdia e por meio do sacrifício de Jesus, por favor, me perdoe até mesmo por aqueles que não consigo enxergar.”
Chegando ao fim, Davi reconhece também que a soberba é um perigo enorme. O orgulho é um empecilho enorme para o arrependimento, cegando nossos olhos aos nossos pecados. Na ausência do orgulho (apesar de que acredito que nunca estaremos completamente livres desse mal aqui na Terra), pela bondade de Deus, então, seremos capazes de enxergar com mais facilidade nossos próprios pecados.
Talvez, alguns dias, eu não terei muita vontade... Mas peço a Deus que o pedido final do grande Rei Davi seja o meu também, todos os dias, enquanto descubro o quanto nada sou e quão grande Ele é: “Sejam agradáveis as palavras da minha boca e a meditação do meu coração perante a tua face, SENHOR, Rocha minha e Redentor meu!”
O que aprendi? Preciso desconfiar de tudo que tomo como pressuposição para meus atos e o meu viver... A Lei do Senhor é belíssima, perfeita e agradável. Meu orgulho me impede de enxergá-la assim. O temor do Senhor é o princípio da sabedoria e serei uma tola se me desviar dele.
Preciso aprender a apreciar mais a Palavra de Deus...
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